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quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Palacio da Comenda - Arrabida



Na sua edição de 18 de Março de 1877, o jornal Gazeta Setubalense informava: “Esteve quinta-feira nesta cidade o Sr. Conde D’Armand, distinto diplomata, ministro da França em Lisboa. S. Exª foi visitar a pitoresca propriedade que possui no sítio da Comenda.” A dita propriedade estava na posse do francês Armand desde o início de Março de 1872 por compra que este fizera a Henrique Maria Albino, morador em Beja. Ernest Armand, viúvo, era o representante do governo francês em Lisboa. Em 1870, alugara o Palácio de Santos para aí instalar a Legação francesa, imóvel que o governo francês acabaria por comprar em 1909, aí mantendo a sua representação, mesmo depois que a Legação foi elevada ao nível de Embaixada em 1948.

Duas décadas depois da notícia da Gazeta Setubalense, em Março de 1898, o Conde fez uma doação ao filho, Abel Henri George, Visconde Armand, residente em Paris, aí incluindo o terreno da Comenda. Passaram cinco anos e o jornal A Construção Moderna, de 10 de Agosto de 1903, publicou o texto “Casa do Exmo. Sr. Conde D’Armand na Quinta da Comenda em Setúbal – Arquitecto Sr. Raul Lino”, aí dando a conhecer o projecto da obra que viria a erguer-se: “A construção é feita num pequeno promontório, de luxuriante vegetação, sobranceiro ao rio Sado, em Setúbal, posição extremamente pitoresca, como podem atestá-lo aqueles que têm visto as ridentes margens do belo rio, junto à lida cidade de Bocage. No citado promontório existe actualmente uma velha casa, cujas paredes, em parte, se aproveitam pois foram levantadas sobre as muralhas de um antigo forte. As grandes varandas da nova construção deitam para sobre o rio.” Em anexo ao texto de apresentação vinham os desenhos da casa, com as quatro fachadas e as plantas do subsolo, do rés-do-chão e do primeiro andar.

Conta-se que o Conde D’Armand pedira a Raul Lino (1879-1974) para desenhar a casa, convite acompanhado de uma sugestão singular: que, antes de começar a projectar a construção, o arquitecto dormisse no sítio uma noite ao luar. O repto foi aceite e o resultado foi o Palacete da Comenda, que teve a responsabilidade da construção civil nas mãos de Augusto Vitorino da Rosa. Na edição de Junho de 1908, a revista A Arquitectura Portuguesa publicava um texto assinado por Henrique das Neves, em cujas três páginas (mais duas com estampas devidas ao fotógrafo sadino Manuel Rodrigues Aldegalega) era feita a apologia das linhas: “Eis uma casa de habitação em cujo traçado colaboraram não somente o intento do seu destino, como também a região, o clima e a paisagem”.
A apreciação do autor resultou de um passeio que ele fizera até ao Outão na companhia de Ana de Castro Osório, tendo o enquadramento suscitado o espanto: “Na curva da estrada que decorre sobre um outeiro e oferece o melhor ponto de vista sobre o château do Sr. Conde, estacionou o trem; e ali nos demorámos, absortos, a ver, a admirar e a… invejar. Ele ergue-se aprumado airosamente como a Torre de Belém, mas sobranceiro ao rio Sado, destacando a sua alvura contra os tons: verde-bronze da vegetação, sanguíneo da argila do solo e azul das águas do rio. Como o olhar se me absorvia naquelas varandas! E o gozo espiritual que acordavam em mim!” Depois de algumas considerações sobre arquitectura em Portugal, o autor acentua as características que foram desejadas pelo proprietário do solar e da quinta: sujeição a muralhas e paredes que já lá existiam, cobertura com “telha nacional, em forma de canal” e linhas simples de forma a ser exaltado o enquadramento natural.

O texto de Henrique das Neves serve ainda para dar umas pinceladas sobre o que seria a personagem Conde de Armand, que passava na Comenda alguns meses afastado da buliçosa Paris, através do retracto que lhe foi traçado por um amigo setubalense: “De chapéu de grandes abas, uma vara na mão e botas altas é assim que encontramos o Sr. Conde, fidalgo de primorosa educação, percorrendo esta sua propriedade, que ele ama. Considero-o um artista-filósofo. Nas horas de calor, enquanto descansa, tira da algibeira o seu Virgílio e assim se deleita sub tegmine fagi, imaginando ter diante de si, quando ergue o olhar do livro, as verdadeiras paisagens que acaba de ver tracejadas naquelas églogas”. E não é sem uma ponta de ironia que o texto termina: “Do Sr. Conde de Armand direi ainda de minha lavra: foi uma homenagem que prestou à classe dos arquitectos portugueses, confiando a um deles a dispendiosa edificação da sua nova casa da Comenda. Suspeito que não terá de arrepender-se. Algum português talvez haja que, no seu caso, tivesse mandado vir… arquitecto francês”.

O Conde Armand, Abel Henri George, faleceu no final de Abril de 1919, passando a propriedade para os herdeiros – a esposa, Condessa de D’Armand, Françoise de Brantes, e cinco filhos. Mais tarde, em 1952, o registo da propriedade era feito em nome da Sociedade Agrícola da Quinta da Comenda de Mouguelas, constituída pelos descendentes de Abel George. Nos anos 80, a Quinta da Comenda seria adquirida por António Xavier de Lima, que, em conversa com o jornal O Setubalense, publicada na edição de 17 de Abril de 1989, dizia: “Enquanto a Comenda for minha, nenhuma árvore será derrubada”. Com efeito, uma das apostas levadas a cabo pelo Conde Armand no início do século XX foi o da riqueza da flora, quer pela preservação das espécies existentes, quer pela plantação de outras – Henrique das Neves chamava a atenção no seu artigo para o parque que o Conde pretendia construir e para uma plantação “de cerca de 1000 pés de palmeira” que tinha visto a cerca de um quilómetro da residência da Comenda.
O palacete que Raul Lino projectou para a Comenda inseria já algumas das linhas que viriam a definir a arte do arquitecto: o respeito pela Natureza e o equilíbrio entre a construção e o lugar. O solar da Comenda foi um dos seus primeiros projectos, mas também um marco para um percurso que assinou obras como o Cineteatro Tivoli (Lisboa, 1919-1924), a Casa dos Patudos (Alpiarça, 1905) e muitas outras construções, sobretudo na zona de Sintra e Estoril. Em Setúbal, o nome de Raul Lino esteve também ligado ao projecto de reconstrução do edifício dos Paços do Concelho, na Praça de Bocage (destruído por um incêndio na noite de 5 de Outubro de 1910, a reconstrução, que Raul Lino foi convidado para projectar em 1927, foi concluída em 1939).


A História riquíssima do Palácio da Comenda não se esgota no texto anterior, em Outubro de 1962 durante a crise dos misseis cubanos, as mulheres dos políticos foram aconselhadas pelo Senado Norte-Americano a deixarem ainda que temporariamente os seus maridos. A maior parte concordou, era uma matéria de Segurança Nacional.
Jacqueline Kennedy recusou, alegando que queria ficar com J.F.K mesmo que isso implicasse perigo para ela e para os filhos do casal. “Quero ficar contigo e morrer contigo, e as crianças também” disse.
Após o assassinato do Presidente, Jackie chegou ao Palácio da Comenda fragilizada e de luto, algures em 1963, veio para Portugal com os 2 filhos pequenos Caroline e John, a convite precisamente dos condes D’Armand. Aparentemente o Conde e a Condessa eram muito amigos do casal Kennedy, e o convite surgiu. Não se sabe exatamente quanto tempo e em que condições Jackie permaneceu no Palácio e na Arrábida. Não existem registos fidedignos do acontecimento, ou se existem perderam-se no tempo.

É impossível ignorar a beleza e Majestosidade do Palácio da Comenda. Circular nas suas imediações sem ficar estarrecido. Do alto de um pequeno monte banhado pelo Sado, o edifício está ao abandono desde a morte do Empresário Antonio Xavier de Lima em 2009. A propriedade tem 600 Hectares, grande parte ocupada pela vegetação densa que se entranha, imune á passagem do tempo. O edifício possui cinco pisos e 26 quartos, mais os terrenos superiores e inferiores e ainda os jardins. Possui também acesso a uma pequena praia privada.
Em avançado grau de degradação, os azulejos convivem lado a lado com os grafitis, e as varandas continuam a oferecer vista de tirar o fôlego sobre as praias da Arrábida.
O acesso aos pisos superiores (4º Piso e Aguas furtadas) por sinal lindíssimos, requer cuidados redobrados, saber caminhar em pisos cujo abatimento é eminente, bem como possuir algumas ideias básicas de Urbex, parecem-me pré-requisitos importantes no caso de haver vontade de fazer uma visita. As escadarias de madeira e os acessos mais estreitos também carecem de alguns cuidados na sua utilização (existem sobejos degraus falsos), mas compensa sem duvida a visita para um apreciador.

O Palácio da Comenda continua a ser propriedade da Família Xavier de Lima e está para venda há vários anos no site da Imobiliária SCI, aparentemente sem compradores até ao momento, o preço (sob consulta) ascende a cerca de 45 milhões de Euros.

                                      










































































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